Empresários do setor investiram incentivados pelo boom de potenciais clientes, diz instrutor.
A expectativa de vitória do presidente Jair Bolsonaro (PSL) nas urnas, consolidada no dia 28 de outubro do ano passado – data do segundo turno da disputa com o petista Fernando Haddad –, estimulou um setor da economia em Mato Grosso: o de artigos bélicos.
Das 77 lojas de armas de fogo que têm autorização do Exército Brasileiro para funcionar no Estado, cinco abriram as portas logo após o resultado das eleições.
Três delas conseguiram autorização para funcionar entre novembro e dezembro de 2018. Outras duas abriram as portas no primeiro trimestre de 2019. No mesmo período do ano passado, nenhum Certificado de Registro foi expedido pelo Exército para Mato Grosso.
Segundo a Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam), os processos para abertura de lojas de material bélico costumam levar, em média, de três a seis meses para serem analisados pelo Exército.
Isso significa que as lojas abertas logo após a eleição – uma das mais recentes em Mato Grosso conseguiu autorização para funcionar três dias após o resultado do primeiro turno da disputa presidencial – são fruto da aposta de empresários na vitória de Bolsonaro, que tinha entre suas promessas de campanha o compromisso de facilitar o acesso a armas aos cidadãos.
Conforme a Aniam, até meados de abril, não houve aumento no número de autorizações expedidas pelo Exército para abertura de novas lojas de armas no Brasil. A Associação notou, entretanto, um crescimento significativo na procura por parte dos empresários interessados em iniciar esse tipo de comércio.
Exigências
As regras a serem seguidas por quem quer abrir uma loja de armas de fogo no Brasil estão previstas em uma Portaria do Ministério da Defesa datada de junho de 2017. Entre as exigências, o representante legal da empresa e seu substituto imediato devem comprovar idoneidade.
É exigido ainda um plano de segurança para produtos controlados pelo Exército. Nele devem estar previstas medidas de controle de acesso a determinados locais da loja, de proteção ao patrimônio e às pessoas, de prevenção a roubos e furtos, além de ações de contingência no caso de acidentes e de capacitação dos funcionários.
Clubes de tiro
A mesma portaria prevê normas para a abertura de clubes de tiro no país, outro tipo de empresa que registrou um crescimento em Mato Grosso desde a última eleição presidencial.
Hoje, são 24 em funcionamento no Estado, sendo que quatro abriram as portas no primeiro trimestre deste ano. Um aumento de 300%, se comparado ao mesmo período do ano passado, quando o Exército concedeu apenas uma autorização para funcionamento de clube de tiro em território mato-grossense.
Antes da vitória de Bolsonaro, o último registro para abertura de um clube tiro em Mato Grosso havia sido concedido em agosto de 2018, quando o hoje presidente dava os primeiros passos da campanha eleitoral.
Escolas
O estímulo aos empresários do setor foi causado por um boom dos potenciais clientes. É o que afirma o instrutor de tiro tenente-coronel da Polícia Militar Marcos Eduardo Ticianel Paccola. Ele diz ter notado um aumento na quantidade de pessoas interessadas em adquirir uma arma desde o surgimento de Jair Bolsonaro como candidato.
Diante disso, segundo Paccola, até o final de março, pelo menos cinco escolas de tiro estavam em processo de abertura em Cuiabá e Várzea Grande. Tratava-se de empresários que preferiram não investir dinheiro no negócio até ter certeza de que a política armamentista no Brasil passaria por alterações.
“Nós mesmo ficamos aguardando o processo eleitoral. Sabíamos que se o PT ganhasse, desativaríamos a pessoa jurídica [da escola de tiro]. Quando houve a eleição, sabíamos que ia mudar para uma política mais liberal”, afirmou, se referindo à empresa onde ele hoje atua.
O controle de abertura de escolas de tiro – dedicadas, como explica o tenente-coronel, a pessoas que nunca tiveram contato com uma arma antes – não é responsabilidade do Exército, mas da Polícia Federal. A reportagem do LIVRE não conseguiu dados oficiais que confirmassem os números citados por Paccola.
Comércio x treinamento
A orientação de Paccola para quem nunca teve contato com uma arma e está pensando em adquirir uma é começar procurando informação de qualidade. O coronel da PM afirma que as lojas de armas, mas, principalmente, as escolas de tiro são o local adequado para isso.
“Quem procurar uma escola de tiro vai poder fazer um curso de manuseio, de uso seguro de uma arma, das vantagens e desvantagens de cada modelo. Tudo isso, sem ter a arma, para que essa pessoa possa tomar uma decisão, se quer mesmo ou não comprar uma”, ele explica.
Dar condições para que a pessoa decida se realmente quer uma arma antes de comprá-la, inclusive, é o argumento que o também instrutor de tiro e especialista em segurança pessoal Mayko Nakayama Parreiras usa para defender uma legislação que obrigue a união, em uma só empresa, de lojas de armas e escolas de tiro.
Para Parreiras, a medida representaria uma garantia a mais de que o cidadão que adquire um revólver está capacitado para usá-lo. Ele justifica o argumento dizendo que a união evitaria, por exemplo, que um comerciante de armas – na ânsia de garantir o negócio – “empurrasse” um produto para alguém que ainda não está completamente convencido de que é disso mesmo que precisa.
“Às vezes, o que a pessoa quer é informação e, ao recebê-la, percebe que não tem interesse em ter uma arma”, ele afirma, pontuando que, se escolas e lojas fossem uma coisa só, o empresário já garantiria seu lucro ao vender o serviço de capacitação para o cliente, sem sair no prejuízo no caso daqueles que desistissem de comprar o produto.
Porte de armas
Paccola concorda que após receber o treinamento adequado muitas pessoas desistem da ideia inicial que tinham. Ele sustenta, no entanto, que isso acontece quando se trata do porte de armas, ou seja, da autorização para andar armado nas ruas, um processo posterior à autorização para compra do equipamento.
Segundo ele, o governo Bolsonaro também incentivou pessoas que já possuíam armas a ir em busca da permissão de porte. Entre os alunos do tenente-coronel, no entanto, depois do curso, muitos desistiram.
“Eles entenderam que o tiro é uma coisa e o confronto armado e a defesa são outra. Às vezes a pessoa acha que estar armado é estar seguro, mas essa não é uma equação lógica”, ele explica, completando: “atirar em papel é fácil. Já dizer que vai atirar, por exemplo, em um menino de 14 anos que está armado fazendo um roubo… Nesse meio tempo, se você pensar muito, você vai morrer”.
Segurança jurídica
Sobre o uso efetivo de armas para se defender, Parreiras faz outra ressalva: “você pode estar com uma arma documentada e ter o porte dela, se você defender sua vida ou seu patrimônio atirando em alguém, você vai responder a um processo, essa arma vai ser recolhida e você vai estar enrolado com a Justiça para o resto da vida. É o que acontece com os próprios policiais”.
Na avaliação do instrutor de tiro, o país ainda precisa avançar na questão da “segurança jurídica”, embora o Código Penal especifique o que seria a “legítima defesa”.
Fonte: https://olivre.com.br