Com leis mais brandas, Estado já tem neste ano cerca de 9 mil novas armas autorizadas, mais do que a soma dos registros feitos em 2017 e 2018
Desde que as novas regras para a posse de armas de fogo no Brasil entraram em vigência, no começo do governo Jair Bolsonaro (PSL), o número de armas registradas em Santa Catarina aumentou e alcançou índices inéditos. No período em que há dados disponíveis da Polícia Federal (PF), de 1997 em diante, nunca tantos novos registros foram feitos em um ano no Estado. Em 2019, até o dia 31 de julho, em média 42 armas foram autorizadas pela PF em SC por dia — o equivalente a um novo registro a cada 35 minutos.
Ao todo, nos primeiros sete meses de 2019 a Polícia Federal registrou 8.968 novas armas de fogo no Estado. O número, mesmo a cinco meses do fim do ano, é o maior até hoje e é superior à soma de todos os registros concedidos em 2017 e 2018 (quando a PF autorizou cerca de 3,5 mil armas por ano).
Os dados foram obtidos pela reportagem do NSC Total por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), em pedido respondido pelo Ministério da Justiça com base no banco de dados da Polícia Federal, que registra e dá as permissões para cada arma de fogo comprada no Brasil.
A reportagem pediu, também, informações sobre a localidade das armas (divisão por cidades), perfil dos portadores e justificativas apresentadas para a necessidade da posse, mas nenhuma outra informação foi liberada pelo ministério, sob a justificativa de que se tratam de dados de “sigilo do proprietário”.
Conforme a série histórica da PF, antes das quase 9 mil armas já registradas em 2019, o ano com maior volume de autorizações em SC havia sido 2017, quando 3540 registros foram feitos. O número, no entanto, era pouco superior à média que o Estado registrava desde 2012. Antes disso, em anos como 2005 (que teve 113 armas), as autorizações de novas armas de fogo no Estado eram poucas por ano. Santa Catarina possui atualmente 154,4 mil registros ativos na Polícia Federal.
Desde janeiro deste ano, o Brasil tem em vigência uma lei mais flexível para a posse de arma (quando a pessoa pode manter o armamento em casa). Tramita no Congresso, no entanto, o Projeto de Lei 3723/2019, de autoria do poder executivo, que facilita também a situação do porte de armas (quando a pessoa tem autorização para circular com a arma), que atualmente é permitido apenas para categorias como militares das Forças Armadas, policiais e guardas prisionais. O projeto foi apresentado no dia 26 de junho e aguarda votação no plenário. É, também, o primeiro projeto de lei sobre o tema enviado pelo governo Bolsonaro até agora, após no primeiro semestre o presidente editar sete decretos sobre porte e posse de arma — sendo que os primeiros do ano foram rejeitados pelo Senado.
Arma pode prevenir crimes, mas traz riscos
Para o analista de segurança Eugênio Moretzsohn, os dados reforçam uma herança cultural em Santa Catarina que valoriza a posse da arma de fogo e a prática do tiro — como nos tradicionais clubes de caça e tiro. Além disso, o especialista destaca que os catarinenses estão aproveitando o momento para obter o armamento de forma legal, inclusive por temer uma nova mudança na legislação por conta de incertezas políticas.
— A segurança pública é “consumida” pela população sob a forma de sensação de segurança; os indicadores da inteligência policial podem ser bons, e hoje estão melhorando a cada dia em SC, mas o cidadão comum não lê indicadores. A sensação de insegurança persiste, especialmente em cidades maiores. Esta é, também, uma das razões de as pessoas adquirirem armas: imaginam que estarão mais seguras com elas, o que é, no mínimo, controverso: o porte delas por pessoas responsáveis e bem treinadas pode, sim, salvar vidas inocentes, especialmente em área rural onde ter uma espingarda à mão pode significar a diferença entre ter uma chance de lutar e a morte cruel. Por outro lado, possuir armas em casa é uma escolha e, como todas elas, há riscos e vantagens.
Moretzsohn aponta que há um risco de manter a arma em casa pois ela se torna um objeto de desejo dos assaltantes, que buscam esses armamentos para outros crimes. Portanto, a residência pode virar alvo de furtos ou, em caso de assaltos, a situação se tornar mais violenta a partir do momento em que uma arma é encontrada.
— Não é verdade que o ladrão irá deixar de “visitar” uma residência por imaginar que lá dentro há uma arma que pode ser utilizada contra ele; ele aguardará, traiçoeiramente como de costume, o momento oportuno para agir e tentará conseguir a arma para uso próprio, venda ou troca por drogas. Além disso existem os riscos de acidentes domésticos envolvendo crianças, pois, muitos imprudentes mantêm a arma municiada, o que é um erro grave de segurança.
O analista de segurança destaca também outros riscos relacionados às armas de fogo. Ele aponta índices como o de feminicídios no Brasil, onde 40% das mortes de mulheres em casa foram com armas de fogo, além dos casos de suicídio:
— Aumentando o número de armas em circulação ocorrerá a elevação dos conhecidos indicadores ruins, como acidentes domésticos, suicídios com armas de fogo, feminicídios, roubos e furtos de armamento. É matemático e inevitável, agravado por índices educacionais muito baixos e instituições frágeis. Ao mesmo tempo, podem aumentar o número de reações a roubos e assaltos com algum sucesso, apesar de os indicadores apontarem o contrário. É falso considerar que estando armado suas chances aumentam num assalto – ao reagir, a vítima corre mais riscos, 180 vezes mais, segundo pesquisa no Rio de Janeiro baseada em estatísticas das análise dos registros de óbitos.
Fonte: www.nsctotal.com.br