A maior presença de armas no cotidiano aumentaria a violência ou reduziria a insegurança? Especialistas divergem sobre a questão. Procura por clubes de tiros tem crescido no Ceará
José Leomar
Maria do Socorro, empregada doméstica, é firme contra a posse de arma de fogo em casa. “Um cidadão corre o risco de que, tendo uma arma na mão, num momento de estresse, perder o equilíbrio e praticar um ato que venha a prejudicar a vida dele”. O autônomo Francisco Medeiros, por sua vez, é convicto em sua opinião favorável. “Todo cidadão tem que ter arma em casa. Se um bandido chegar e souber que aquele cidadão tem uma, ele jamais vai entrar lá”.
Os dois cearenses, que circulavam na Praça do Ferreira, Centro de Fortaleza, na manhã de ontem (6), ilustram bem o quadro que, hoje, toma conta do País quanto ao assunto. As opiniões dos cidadãos no cotidiano estão no cerne da questão armamentista.
A hipótese de aumento da violência interpessoal por arma de fogo é um dos argumentos utilizados por especialistas que criticam a pauta. Para o coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da UFC, César Barreira, “os conflitos interpessoais no Brasil são resolvidos com violência, e a violência tem uma forte ligação com a presença da arma de fogo. Temos outro dado que é a questão de que o maior número de homicídios que ocorre no Brasil tem sido cometido por arma de fogo”.
Os dados de assassinatos por arma de fogo confirmam essa análise. Conforme o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2003, ano em que entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento, 51.534 pessoas foram assassinadas, 70% delas por arma de fogo. Em 2016, o número pulou para 62.517; desses, 71% foram cometidos pelo mesmo tipo de instrumento.
No Ceará, essa relação é mais nítida. Em 2003, foram registrados 1.563 homicídios, sendo 846 por arma de fogo (54%). Em 2017, 5.134 pessoas foram mortas de forma violenta no Estado, sendo 86% desses crimes cometidos por esses armamentos. Este ano, os registros até setembro acompanham o padrão. Dos 3.501 homicídios registrados, 87% foram com armas de fogo.
Por outro lado, as mesmas estatísticas servem de base, também, para os críticos do Estatuto do Desarmamento. Entre eles, está o mestre em Ciências Sociais, professor aposentado da UFC, Rui Martinho. Ele explica que a escalada de violência mostra que o Estatuto é um fracasso como política de segurança.
Para ele, é uma “falácia” criticar a flexibilização por medo da violência interpessoal. “Com a arma pode haver algum crime de ocasião, o indivíduo perde o controle e pratica um crime. Mas essa não é a maior parte dos crimes. A maior parte dos crimes, hoje, é por causa de dívida na ‘boca (de fumo)’, disputa de território e outras coisas que não uma perda de controle ocasional”, argumenta.
O historiador explica, ainda, que é preciso entender a ideia de bem substituto. “Se um indivíduo vai praticar um crime, sem ter acesso à arma de fogo, vai usar outro tipo de arma. Uma arma branca, barra de ferro ou pedra. Nós não vamos impedir que as pessoas tenham acesso às pedras”.
Legítima defesa
A justificativa de defesa pessoal também é um importante argumento na agenda armamentista. César Barreira discorda da ideia: “quando temos um confronto entre o cidadão de bem e o bandido, o bandido sempre leva a melhor”. O pesquisador defende, ainda, que essa ideia tira responsabilidade do Estado. “Nós não podemos chegar a uma situação de justiça pelas próprias mãos”, afirma.
Já o presidente da Federação Cearense de Tiro Prático, Vitor Holanda, afirma que “o Estado em condição alguma conseguirá atender imediatamente a todas as residências num País do tamanho do Brasil”. Ele também defende constantes capacitações para o manuseio das armas. “O que nós precisamos é exigir que as pessoas sejam realmente habilitadas e capazes para o uso racional da arma de fogo”.
Apreensões no Ceará
No Ceará, hoje, uma das principais bandeiras de segurança pública é a intensificação das apreensões de armas irregulares. Foram cerca de 7 mil, em 2017, e 5.500 até setembro de 2018. As Polícias Militar e Civil mantêm a postura legalista no debate sobre flexibilização.
“A Polícia Militar tem que se adequar à legislação vigente. Se houver um novo ordenamento jurídico, tranquilamente, nós vamos ter que nos adaptar”, explica o coronel Fernando Albano, comandante de Policiamento da Capital.
Mesma postura tem o delegado-geral adjunto da Polícia Civil, Marcus Rattacaso. Ainda assim, ele acredita que a ampliação do acesso pode aumentar o uso de armas legais em crimes. Hoje, apenas cerca de 1,5% dessas armas cai nas mãos de bandidos. “De acordo com o nível de liberação, pode haver uma difusão grande da quantidade de armas legais circulando em nosso País”. Para ele, um cidadão possuir arma pode estimular que criminosos “através de roubos e furtos, tentem resgatar essa arma”.
Fonte: Diário do Nordeste