Saiba quem são os empresários que apoiaram o novo presidente e ganharam protagonismo durante as eleições
Não foram poucos os empresários que apoiaram e fizeram campanha a favor de Jair Bolsonaro (PSL) nas redes sociais durante o período eleitoral. Na lista de simpatizantes mais próximos ao novo presidente do País constam nomes como Luciano Hang, das lojas Havan; Mário Gazin, do grupo Gazin e Salim Mattar, da rede de aluguel de automóveis Localiza. Mas poucas empresas surfaram tão bem a onda de crescimento do então candidato à presidência pelo PSL quanto a Forjas Taurus. As ações preferenciais da fabricante de armas gaúcha na Bolsa dispararam 437% entre 31 de julho e 26 de outubro — última sexta-feira antes do segundo turno das eleições presidenciais —, saindo de R$ 2,05 para R$ 11.
Nesse mesmo período a Bovespa subiu 9,68%. Embora a Taurus esteja se reestruturando e renegociando seu pesado endividamento de R$ 798 milhões, é difícil encontrar alguma explicação para o avanço galopante de seus papeis que não esteja ligada diretamente ao presidente eleito. “A subida desse papel é pura especulação”, diz Pedro Galdi, analista da corretora Mirae. “O que poderia beneficiar a Taurus no governo do Bolsonaro seria mais investimentos em segurança pública. Mas, antes disso, a empresa precisa melhorar a qualidade dos produtos e desbravar novos mercados.” Em 31 de julho, os papéis registravam um volume financeiro transacionado de R$ 129,3 mil.
Passaram a movimentar R$ 124,9 milhões em 19 de outubro — o avanço no período foi de quase 100.000%. Capitão reformado do Exército, o belicista Bolsonaro tem como proposta facilitar o acesso à posse e ao porte de armas no País. Um projeto para a flexibilização do Estatuto do Desarmamento já passou por uma comissão especial e deve ser votado ainda este mês no plenário da Câmara dos Deputados. Dentre as mudanças previstas, está o fim da exigência de que o requerente precise comprovar sua necessidade para obter direito à posse da arma. Hoje, essa avaliação fica a cargo da Polícia Federal. Nas últimas semanas, Salesio Nuhs, presidente da Taurus e vice-presidente da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), que assumiu o controle da fabricante gaúcha em 2015, tem se encontrado constantemente com representantes do governo, em Brasília (DF).
Apesar de ser parte interessada na proposta do governo, a Taurus pode ver seu império no mercado brasileiro ser atingido em cheio com o novo presidente. Bolsonaro já declarou inúmeras vezes que é contra o que considera um “monopólio da Taurus” e pretende abrir o mercado para empresas internacionais. Marcas como a austríaca Glock, a tcheca CZ e a Caracol, dos Emirados Árabes Unidos, mantêm contatos com o presidente eleito e pretendem ingressar no País o quanto antes. “Eu desafio qualquer um desses concorrentes a vir aqui para o Brasil disputar o mercado conosco”, afirma Nuhs. “A concorrência não nos assusta em nada. Nós já vivenciamos isso diariamente nos Estados Unidos.” A empresa, que exporta para 85 países, é uma das líderes no mercado norte-americano, de onde vêm 67% de suas receitas. Seus produtos, no entanto, são alvo de críticas constantes tanto nos Estados Unidos quanto por parte de agentes de segurança pública no Brasil. Em março de 2015, um grupo de policiais insatisfeitos com o número de disparos acidentais com as armas da empresa criou o movimento “Vítimas da Taurus”, com o objetivo de levar os casos à Justiça e forçar um recall dos produtos defeituosos.
Embora a Taurus tenha se tornado alvo de constante especulação nos últimos meses, o executivo acredita que os motivos para o avanço da empresa na Bolsa vão além do fator Bolsonaro. Com apoio da consultoria Galeazzi & Associados e um aporte de
R$ 150 milhões, a fabricante iniciou um processo de reformulação, passando pela mudança de sede de Porto Alegre para São Leopoldo (RS). Também embarcou tecnologia para aprimorar seu processo de produção e de segurança, lançou 100 produtos e renegociou suas dívidas, estipulando como meta a venda de ativos considerados não estratégicos, como o terreno desocupado na capital gaúcha e a sua operação de capacetes de motocicletas. “O nosso negócio é armas. Não podemos tirar o foco disso”, diz Nuhs. De janeiro a junho, o faturamento da companhia foi de R$ 329,4 milhões, 109% a superior ao mesmo período de 2017. Mesmo assim, suas ações ainda passam distante das carteiras de gestores profissionais. “Eu não recomendo a compra dessa ação. Da mesma forma que ela subiu, também pode cair”, diz Galdi. Ele parece estar certo. Após a euforia das urnas, as ações perderam mais da metade do valor, caindo de R$ 11,82 para R$ 4,11, entre 29 e 31 de outubro.
Outra empresa que aproveitou o momento para ganhar relevância nacional foi a loja de departamentos Havan. Convidado em janeiro para ser vice de Bolsonaro, o empresário Luciano Hang atuou como cabo eleitoral do candidato do PSL durante a campanha presidencial. Chegou a ser, inclusive, multado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em R$ 10 mil, por ter pago o Facebook para impulsionar publicações que promoviam a campanha de Bolsonaro. Após realizar uma pesquisa de intenção de votos com os funcionários da Havan, o empresário descobriu que 30% deles pretendiam votar branco ou nulo no primeiro turno e resolveu se posicionar.
Em um vídeo, ele afirmou que poderia “jogar a toalha”, fechar as portas e sair do País, demitindo seu quadro de 15 mil profissionais, caso o candidato não vencesse as eleições. Mas, em 3 de outubro, recebeu uma advertência da Justiça. Na ocasião, o juiz Carlos Alberto Pereira de Castro, da 7a Vara do Trabalho de Florianópolis, impôs uma multa de R$ 500 mil à Havan caso a companhia pressionasse seus funcionários a votar em Bolsonaro. “Na Havan, você tem uma gestão que é temerária”, diz Marcos Bedendo, professor de branding da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Quando uma pessoa toma uma posição tão forte assim, tem muito mais a perder do que a ganhar. Naturalmente, isso gera uma animosidade contra a empresa.”
Para comemorar o desempenho de Bolsonaro, que obteve 57,7 milhões de votos pelo País, o dono da Havan anunciou um plano de investimento estimado de R$ 500 milhões para 2019. O comunicado foi realizado em suas mídias sociais, ao som de “Eu voltei”, clássico de Roberto Carlos. Em vídeo, o empresário prometeu gerar 5 mil empregos por meio da inauguração de 20 lojas, que estarão distribuídas por São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O aporte também inclui a ampliação e automação do centro de distribuição da rede, localizado em Barra Velha (SC). “Precisávamos de direção, de confiança e de segurança para voltar a crescer e trabalhar por um Brasil melhor”, disse Hang. “Vamos ajudar o presidente Bolsonaro a tirar o Brasil da crise.” Em 2017, ele já havia feito algo parecido, quando anunciou a meta de investir R$ 2 bilhões para chegar a 200 lojas, até 2022. Hoje, a varejista conta com 117 unidades e pretende alcançar uma receita de R$ 7 bilhões neste ano.
Em 18 de outubro, uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo afirmou que a Havan seria uma das empresas responsáveis pelos disparos de fake news contra o PT no WhatsApp, durante o período eleitoral. Cada contrato para a disseminação de centenas de milhões de mensagens chegaria a custar R$ 12 milhões, segundo a denúncia. Hang negou as acusações.“As empresas sempre participaram e sempre vão participar desse jogo”, diz Carlos Caldeira, professor de estratégia do Insper. “Elas só não podem achar que vão ter vantagens, principalmente em termos de contratos com o governo, pois isso é ilegal.” Em 28 de agosto, antes do primeiro turno das eleições, Bolsonaro postou um vídeo em seu perfil no Twitter no qual Hang e Mário Gazin pediam votos para ele. Na época, o fundador do Grupo Gazin declarou que Bolsonaro teria de vencer a eleição no primeiro turno para que os empresários não tivessem que gastar mais dinheiro para colaborar com a sua campanha.
Em meio a esse alvoroço, outra manifestação em prol do candidato veio à tona em uma carta de Pedro Joanir Zonta, presidente da rede de supermercados Condor. No memorando repassado aos funcionários do grupo, em 2 de outubro, Zonta elenca as razões para o voto em Bolsonaro e também seus motivos para “não votar na Esquerda”. Entre os pontos defendidos por ele estavam a proteção aos princípios da família, a luta contra o aborto e contra a sexualização infantil, e a redução da maioridade penal. “A ideia dessas empresas era de um voto de confiança para o Paulo Guedes, que conduziria um time mais liberal”, diz Patricia Krause, economista da Coface para América Latina. “A confiança dos empresários é em torno de um ambiente de negócios mais favorável.”
Curioso, no entanto, é que poucos desses empresários tenham aparecido na lista de doadores na prestação de contas da campanha de Bolsonaro, disponível no site do TSE. Em 29 de outubro, o portal declarava que o candidato do PSL recebeu R$ 4.150.097,17 durante o processo. Desse montante, R$ 3.728.964,00 foram recebidos via financiamento coletivo. Zonta, por exemplo, declarou ter doado R$ 4 mil. Se somado às doações de outros membros da família, essa quantia salta para R$ 12 mil. Nada comparado, por exemplo, às doações realizadas por ele ao Delegado Francischini (PSL), eleito deputado federal no Paraná: R$ 51 mil. Hang e Gazin, no entanto, não aparecem na lista de doações do novo presidente. O dono da Havan contribuiu com R$ 160 mil a cinco candidatos, a maior parte, para Ratinho Jr. (PSD), eleito governador do Paraná. Gazin e outros integrantes da família doaram R$ 300 mil ao DEM de Mato Grosso e a outros candidatos. Apoiador do militar, Sebastião Bomfim Filho, presidente da Centauro, não doou oficialmente a Bolsonaro. Mas gastou R$ 348 mil com outros 13 candidatos.
Essa foi a primeira eleição presidencial sem a doação de pessoas jurídicas aos candidatos. Antes, a lei permitia a doação de empresas e fixava o limite em até 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição. Pelas novas regras do TSE, ficou estabelecido que os recursos podem ter três origens: o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas Eleitorais (FEFC), o Fundo Partidário e doações voluntárias de pessoas físicas. “De modo geral, eu acho muito positivo que a nossa legislação não permita que a empresas doem para as campanhas”, diz Bebendo. “Uma companhia deve ser amoral e apolítica. Quando apoia um candidato é porque tem algum interesse.”
Quem também tinha presença garantida nos diversos encontros realizados entre Bolsonaro e empresários durante o período eleitoral era Salim Mattar, presidente do Conselho de Administração da Localiza. O empreendedor mineiro declarou apoio ao candidato e doou R$ 700 mil para a campanha de Romeu Zema (Novo), eleito governador de Minas Gerais. Sua empresa também acabou surfando a onda de crescimento do novo presidente. De 31 de julho a 30 de outubro, as ações da Localiza registraram uma valorização de 16,8%. “Com uma economia melhor, a Localiza ganha nas duas pontas. Ela vai poder alugar mais carros para o consumidor e ainda terá valorização deles, conseguindo colocar no mercado secundário com uma margem boa”, afirma Galdi.
Na noite de 29 de outubro, a deputada federal eleita Joice Hasselmann (PSL-SP) encontrou-se com um grupo de empresários paulistas de diversos setores. Participaram desse encontro empreendedores próximos ao presidente, como Bomfim Filho; Flávio Rocha, dono da Riachuelo; e Alberto Saraiva, fundador do Habib’s. No jantar, eles se queixaram da falta de acesso a Bolsonaro e demonstraram receio de perderem espaço no novo governo. Com apoio de tantos empresários, será que o PSL também adotará a política do “toma lá dá cá”?